Páginas

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

CAFÉ LISBOA

Foto de Daniel Cordeiro Costa.
Foto de Daniel Cordeiro Costa.
CAFÉ LISBOA
Não pode haver dúvidas, Lisboa é uma cidade encantadora, o João Moisés levou uma mocidade inteira a sonhar com uma vida na capital. A ideia não provinha dos deslumbramentos que a paisagem pudesse provocar, pois até à idade adulta nem dela se aproximou! Mas sim dos forasteiros nela a viver, que visitavam a aldeia situada no ameno Oeste, sobretudo por festas populares ou outras do calendário litúrgico, como Natal ou Domingo de Páscoa,
Destacavam-se sempre dos habitantes locais por uma postura mais urbana, patenteada desde logo pela indumentária que exibiam, talvez de modismo mais adequado.
Para já, não achava ter nascido para agricultor, como o Estado Novo catalogava todos os que viviam uma agricultura de subsistência. Como era o caso.
Considerava-se capaz de fazer outras coisas mais importantes e logo na adolescência começava a movimentar-se nesse sentido.
Só no decorrer do ano de 1964, depois de uma cumprida obrigatoriedade militar, entre a qual vinte e sete meses de mobilização em Angola, tempo que considerou serem a únicas verdadeira férias passadas até então, chegou a oportunidade de se fixar na cidade com que sempre sonhou, a formosa Lisboa.
Foi em Abril, o primeiro que o governo de então considerou especial, dedicando-o ao início oficial da indústria turística em Portugal.
O Algarve que tem hoje importância, nessa florescente actividade a todos os níveis, era ainda mal conhecido e do aeroporto existente actualmente na cidade de Faro, estrutura fundamental para o objectivo, havia ainda só o terreno e um projecto.
O centro da cidade era pujante, o Chiado fervilhante foi eleito para uma maior visibilidade turística, com a distribuição de flores aos forasteiros que vinham conhecer o País.
Tinha sido feita além fronteiras, para a divulgação das virtualidades de Portugal na vertente do bom Sol e os próprios Correios apondo sobre os selos das cartas uma flâmula, em francês, cuja mensagem era apenas a seguinte: “Avril au Portugal”.
Por ironia meteorológica, o mês que costuma ser já muito solarengo no rectângulo mais a Sudeste da Europa, apresentou sempre o céu cheio de nuvens e aguaceiros, tudo o que encobria o Astro Rei.
Foi nessa bruma, que João Moisés iniciou a sua nova vida. Pensava-se muito capaz, porém apesar de já contar com alargada experiência de vida, arreigada em muita labuta, seleccionou o trabalho que achou melhor se coadunar com o que pretendia – estudar afim de vir a entrar noutro mundo mais excitante. 
O eleito foi o lugar de barman, para todo o serviço, já que a sua experiência de empregado de balcão era a de estreante, tinha vinte e três anos apenas, mas demasiada idade para iniciar do zero, tal carreira.
O local era a baixa de Lisboa, tal como desejava, na Rua das Portas de Santo Antão, ainda designada por Eugénio dos Santos, pois teve como patrono esse grande nome da arquitectura Pombalina,
A altura do ano escolar já estava longe do início e dedicou-se a pequenos cursos que estavam já a deixar de fazer sentido, mas que se revelaram muito benéficos para a integração num mundo novo, o de estudante trabalhador.
Continuando a laborar na mesma entidade patronal e acabando por evoluir rapidamente, foi transferido para outra casa do género, na Avenida da Liberdade, junto ao parque Mayer, na altura um local também de grande bulício da Lisboa nocturna do tempo e como só se trabalhava bem depois das dez da noite, dava para que antes pudesse haver alguma dedicação ao estudo.
As aulas decorriam a bom ritmo, melhor do que João Moisés podia ter sonhado. No caso eram dedicadas a adultos, havia alguns polícias com intuitos de concorrem a inspectores da Judiciária e foi desses que saiu a grande desilusão:
- Para ter acesso àquele Corpo Policial era necessária determinada estrutura física, o ter sido apurado para servir no exército, a condicionante que só por si não bastava.
O seu problema baseava-se em que tinha sido mobilizado por obrigação e fora do mesmo, sem mais outras aptidões físicas, não podia haver seguimento de carreira.
João Moisés “teimoso” como era e muito dado a leituras policiais, sem ter em conta que os cenários se situavam sempre na América do Norte, logo atentou na possibilidade de vir a tornar-se investigador privado. Como se haveria de ver!
Ter chegado a Lisboa, trabalhar e estudar, constituía o princípio do cumprimento dum grande sonho, uma realidade que se estava a concretizar, isso era para já o que importava.
Estava hospedado numa grande mansão, no famoso Bairro da Graça, mais propriamente na freguesia de Santa Engrácia. A casa era de uma grande modista, senhora que, por seu turno a tinha herdado dos pais, cujo elemento masculino tinha pertencido a um Corpo Policial, antecessor da Judiciária, falecido na cama repentinamente na mesma noite, que lhe tinham dedicado um jantar, em virtude de ter subido na carreira.
Guindara-se a um posto mais elevado, pela sua inteligência e estrutura moral, o que orgulhara os inúmeros familiares, que não viviam na cidade. Estes aventaram que talvez alguns colegas roídos pela inveja lhe tivessem administrado, naquele jantar de homenagem algum ingrediente fatal, afim de passar a haver na Corporação um alinhamento menos ambicioso.
Havia já muito tempo que o caso se passara, mas era para ainda dar que pensar.
Não havia professores Karambas ou Alages, vastas publicidades a cartomancias, ou a várias “leituras”, mas a hospedeira de João Moisés, nos tempos livres, entretinha-se ao estudo da vida das pessoas deitando cartas. Além de ser engraçado, porque em muitas coisas ditas, algo aparecia de verosímil. 
De concreto as predições só serviam mentes fracas, como todos os prognósticos pessoais.
No fundo, muitas coincidências apontavam que se mantivesse o gosto de investigar a fundo muitos assuntos, tanto mais que o trabalho junto ao Café Lisboa, o local onde funcionavam os Teatros de Revista, uma Broadway à portuguesa e ainda a proximidade da maioria das casas de vida nocturna, a sua labuta até às duas da madrugada, o saber ouvir o que se comentava, muito característico dos profissionais de balcão ou de mesa, da indústria hoteleira, eram os ingredientes ideais para perseguir o objectivo.
Foi assim que num belo dia, depois de terminado o trabalho da noite, ao chegar às quatro da madrugada a pé, passando pelo Martim Moniz e Rua do Benformoso, uma resolução foi definitivamente tomada: O João Moisés em pensamentos, sempre íntimos e positivos, mesmo àquela hora tardia, tomou uma resolução, a de passar a investigar virtualmente certos factos, que lhe parecessem relevantes.
No fundo, sempre praticara a ideia de deitar os olhos por tudo o que lhe parecesse razoável, mas para objectivar mais a ideia.
Planeara encomendar e mandar fazer um novo fato, dirigiu-se ao grande estabelecimento, quase em frente ao Hotel Mundial, a tal casa que as rádios anunciavam como a de – “três entradas para uma saída feliz” – denominada “Lanalgo2 e depois de ter feito a compra, de imediato e por já ter entrado a época de fazer aquisições de vestuário para o Inverno, procurou adquirir uma gabardina que lhe conferisse um toque policial. Consegui-o; era de uma cor azul escuro, cinto do mesmo tecido, com ombros adornados de platinas metálicas, como se pertencesse mesmo a algum policial, com a notória diferença de possuir fivelas de metal prateado a fechar.
João Moisés, tomou ainda a firme resolução de continuar os estudos, para vir a ter um melhor emprego, mas sempre compatível com uma área que lhe permitisse estar atento a qualquer desvio gregário ou algo fora da normalidade comum.
Qualquer defeito vivencial humano que pudesse vir a detectar!...

Daniel Costa 

Sem comentários:

Enviar um comentário