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sábado, 10 de fevereiro de 2018

ALCÂNTARA - MAR



Foto de Daniel Cordeiro Costa.
ALCÂNTARA - MAR
Se agora o mundo da noite chegou para as bandas de Alcântara – Mar foi por ali, ao longo da Rua Fradesso da Silveira, com entrada para os Serviços Administrativos, do lado Sudoeste do grande prédio comercial de dois andares, a ocupar todo o lado direito de quem sobe.
Era aí que funcionava uma gráfica, entre outros trabalhos, ali se fabricavam desde outros tempos cartas de jogar. 
Foi nessa empresa, que João Moisés entrou a um de Julho de setenta. A designação era a de Viúva J. J. Nunes. A “Vúva” como todos os funcionários a designavam, para abreviar, tornando mais simples a nomeação.
A princípio era-lhe atribuído o serviço de vendas. Havia uma renovação em curso, entrara um outro sócio, os anteriores, por falta de rentabilidade e com dívidas sobre dívidas, acharam por bem abandonar o “barco”.
Um gestor de visão moderna, arriscara abandonar uma empresa de futuro para também entrar, formar equipa e elevar a fábrica gráfica rumo à rentabilidade, porém tendo em conta o passivo acumulado.
Em breve João Moisés foi chamado a uma nova ocupação, mais de acordo com as aptidões, servia mesmo de conselheiro para a problemática de encomendas de trabalhos gráficos, rever todos os orçamentos de obras a decorrer, com certa periodicidade e atender clientes. Digamos que tratava de muitos assuntos, como entregas e até lhe estavam cometidos certos assuntos de pessoal.
Chegaram novos homens de vendas, conhecedores do marcado, que passaram a trazer para orçamentar obras de vulto. Parecia ter entrado ali um novo fôlego.
Mais ou menos, à frente da produção, estava o pintor João Nascimento, que por sua vez foi buscar uma sua antiga professora de desenho, para o ajudar a proceder a trabalhos na área da criação artística.
João Moisés, estava a entrar num mundo que o cativara e posicionava-se a desenvolver o melhor que podia, corresponder a essa nova dinâmica, que achava aliciante.
Relacionara-se com todo o pessoal e em breve dominava todas as fases dos serviços, assim como as respectivas secções. O seu dinamismo estava disponível e quase diariamente o novo gestor o convocava, para esclarecimento de determinadas questões, na maioria orçamentais.
Por vezes o esclarecimento deixava este admirado e o interlocutor não o ficava menos, porque acabava de saber os muitos erros de gestão que, saltavam à vista. Por vezes ficava a sensação de várias corruptelas de gerentes anteriores, assuntos que estavam a ser minuciosamente revistos e alterados.
A empresa imprimia trabalhos de toda ordem, era fábrica de cartas de jogar e tinha secção de impressão em folhas de flandres, talvez o motivo de existir ainda.
O último associado, que tentava o dinamismo, tinha entrado porque proprietário e liderava uma fábrica de embalagens de lata de vários tipos, destinados a clientes, para esse fim necessitava de mandar imprimir a folha no exterior. Razão porque já era cliente da “Viúva” e daí procurar salvar a empresa, adquirindo a maior quota o que dava o domínio.
Em pouco o João Moisés, pelo pouco que conhecia de gestão empresarial e pelo quadro que lhe sendo dado observar, começava a ter muitas dúvidas, sobre a viabilidade da empresa.
Embora dissesse não gostar de lutar por causa perdidas, ia trabalhando com denodo, estava a acreditar um pouco na nova gestão, cujo titular competência e afabilidade.
Os vendedores, que traziam trabalhos de envergadura para orçamentar, logo desataram a apresentar escusas e a desandar, porque nenhuma das propostas era aceite.
Do assunto resultara reunião com João Moisés, que fizera os orçamentos baseado nas capacidades dos formatos das máquinas, que o respectivo parque apresentava. Previamente foi referido não ter sido posta em causa a capacidade de orçamento, no entanto eram necessárias elações. 
Afinal o assunto era muito simples, face a outros dados até então só na posse do gestor, era a já sabida, a empresa não tinha capacidade para determinadas obras.
Um exemplo concreto foi posto em equação, tratava-se de uma pequena revista semanal de histórias aos quadradinhos, havia o conhecimento de que um orçamento de outra empresa concorrente, por metade do preço. O João Moisés conhecendo o meio logo disse em iguais circunstâncias de maquinaria a “Viúva” podia fazer melhor preço em virtude de dispor de mão-de-obra mais barata.
Aventados os porquês, concluiu-se que afinal, não seria possível laborar ali obras de envergadura.
Passou a então a rever-se todos os orçamentos de trabalhos. Por se executarem periodicamente, havendo apenas a necessidade de ir às prateleiras dos arquivos e com os fotolitos existentes, imprimir de novo, renovando o stock do cliente.
Tudo revisto, orçamentos novos, feitos como se a obra entrasse pela primeira vez, apresentados por João Moisés à gerência, este com a sua habitual timidez, reafirmou não lhe terem sido fornecidos outros elementos, que não os que ele próprio reunira, pelo que não podia ser responsabilizado, por qualquer lacuna. 
Por um convénio existente entre os industriais gráficos, os fotolitos e montagens ficavam propriedade da fábrica.
Recebeu logo apoio ouvindo: de erro devem enformar todos!
Desejava-se ver isso mesmo! Verificava-se haver casos em que o cliente estava a pagar obras a metade do preço e parcela por parcela, o novo seria o bem executado e o mais actual, embora a gerência contasse com margem de manobra, para negociar custos, como também fora afirmado.
Fica um exemplo, a empresa familiar dos pudins Mikau, estava a mandar imprimir embalagens de cartão para o seu produto, incluindo também o trabalho de cartonagem a custo, de cinquenta por cento inferior do valor real. 
Por ser a encomenda mais recorrente e dada a amizade que existia, traduzida em pagamentos adiantados amiudadamente. Porém havia a necessidade de tomar atitude, lá estava a margem de preço para negociar, mais a existência de fotolitos e montagem.
Naquele caso, acabou por funcionar e o problema ficou bem resolvido.

Daniel Costa

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

NOITES DO RESTELO



Foto de Daniel Cordeiro Costa.
NOITES DO RESTELO

Sem se desconcertar e porque não podia estar em descanso, deu início a uma nova tarefa. Teria apenas a duração de um mês.
Foi apresentada e dourada, como de chefia, cargo que podia condizer com o perfil de João Moisés, mas decididamente não, logo não podia ser assumido na plenitude. No entanto a dedicação ao que havia a fazer, em qualquer circunstância, era uma faceta da sua personalidade.
Os tempos eram agora muito difíceis, até porque João Moisés havia subido a um patamar social de certo nível, muito para além do próprio meio, onde agora se movimentava, não obstante as mutações observadas, enquanto procurava nova integração.
No princípio dos anos setenta, constatava-se não haver falta de trabalho indiferenciado, mas sim lacunas de qualificações e evoluções geradas por esta. Várias vezes foi ouvido:
- Não nos serve, queremos alguém sem qualquer qualificação e como hoje os bons lugares estavam reservados a clientelas políticas, cujos dotes estão apenas num cartão de filiado.
No tempo dos afilhados podia só saber pensar, mas eram afilhados!
Porém, uma vivência rica pode ser feita de experiências, mas aconteceu que, no mês quatro de setenta, chegou ao trabalho numa empresa que dava pelo nome de Centro Técnico de Desinfecções. 
O cargo era mesmo de chefia, o que dava direito a carro para condução própria de trabalho e recolha de outros empregados, a qualquer hora do dia ou da noite, assim como para transportar os materiais necessários para executar tarefas exteriores.
Não havia qualquer horário de trabalho específico, podia acabar-se um ás quatro da manhã, vinha-se para casa e logo ás onze um telefonema do escritório e… lá estava outro serviço.
A entrada processou-se num dia de chuva miúda, de tal modo que o campo de visão era restrito. O começo iniciou-se com algumas instruções do própria patrão sobre a carrinha “Citroen” que, cabia a João Moisés conduzir.
Deu como resultado, talvez também por falha nos travões, embater num autocarro da Carris estacionado, cujo não sofreu danos, porém a carrinha ficou um pouco amolgada.
O trabalho do dia ficou por aí, mas à noite a casa a chamada: Havia que efectuar a limpeza e desinfecção de todas as instalações de um afamado restaurante de Cascais.
O serviço foi executado de madrugada e até nem correu mal para início. Culminou com uma mesa cheia de boas gambas, para todo o pessoal da desinfestação. Alguns colegas eram alheios ao trabalho, mas fingiram bem, pois tinham sido convocados, por causa do costumado “banquete” e como prémio da empresa prestadora daqueles serviços, a que pertenciam de facto, mas noutro ramo.
A seguir, calhou uma operação interessante, a desinfecção de um grande casarão nas arribas da praia de S. Bernardino, perto de Peniche. Tinha sido mandado construir havia pouco, por uma senhora americana.
Criadagem havia para quase todas as dependências e era bastante visível.
A vagem foi feita no “ Mercedes” do próprio patrão, que comandou o que não seria necessário, mas terá aproveitado para viajar até à vila piscatória de Peniche onde, terminado o trabalho houve o almoço, com a lógica liquidação pela firma.
Contratações, eram diárias, por vezes de dia e à noite, para o caso de restaurantes ou hotéis. Alguns destes eram conhecidos de João Moisés, que ficava com a estranha sensação que se os clientes conhecer as unidades, na acalmia da noite, ficariam enojados de terem feito ali qualquer repasto.
O engraçado é nunca se ter feito a desinfecção em tascas e mesmo assim!... Baratas eram tantas, nem se sabia onde havia espaço para se esconderem da luz do dia, tanta bicharada!...
Certa madrugada, bem de madrugada, depois de um serviço de desinfecção a duo, conduzindo a carrinha, deixou o colega em casa, em Valejas e apanhado a auto-estrada de Cascais, por volta da bifurcação para Benfica, chegou a fraqueza em forma de leve sono, que passou ao lado, mas suscitou susto.
Deu para ficar desperto, até finalmente descansar por quanto tempo?
Não haverá vivências: O homem é que as faz. Decididamente, a ocupação era engraçada, pondo de parte aquilo, a que se achava ser exploração laboral, para posto de observação era óptimo, mas como as ambições estavam noutro lado, por elas continuava a lutar.
Certo dia a convocação chegou, para a limpeza dos insectos de um hotel de Sagres, estadia de três dias no mesmo, para o que se havia de ir preparando. Trabalho de noite, durante o dia descanso, com algumas idas à praia e a observação como a indústria de turismo ia chegando a todo o Algarve.
Estávamos ainda em 1970, deu-se a viagem no “Mercedes”, do patrão, com este a mostrar a excelência duma condução feita num daqueles caros topo de gama e a estadia, mais uma vez era adoptada por este, tanto mais que desta vez era de conta do hotel.
Os dois empregados ficaram instalados nos quartos de dormir destinados a motoristas particulares, eram óptimos.
Para as refeições foi destinada sala própria, sendo o serviço igual ao de todos os funcionários de cozinha. Havia sido destinado um rapaz dos seus quinze anos, a servir tudo o desejado, disse ser destacado e para receber todas as ordens nesse sentido.
João Moisés, já se instalara em diversos hotéis, porém um tão eficaz atendimento de restauração nunca tinha conhecido.
O trabalho só se processava à noite, porque para ser diurno, teria de haver interrupção dos serviços a prestar ali.
Chegou a vez de se fazer uma desinfecção a uma pousada a uma pousada no litoral alentejano, após trabalho nocturno, um serviço e uma experiência também interessante.
Na volta para Lisboa, o almoço processou-se num restaurante de Santiago do Cacém.
Afinal quem comandava, nunca tinha sido João Moisés e o colega, antes da liquidação, informou ser usual mandar fazer factura com uma quantia mais elevada, ficando o suplemento a distribuir pelos comensais intervenientes.
A firma pagava após serem apresentadas contas.
Depois, o que andava a ser equacionado passou-se naturalmente. Não tinha decorrido trinta dias e era apresentada a renúncia. A patroa a comandar a retaguarda, no escritório, mostrou zanga, o patrão mostrou o seu indesmentível bom relacionamento e afirmou:
- Apesar de ver em si, sempre bom funcionário, observando-o e reparei que este tipo de trabalho estava longe das suas aptidões e justas aspirações, razão porque não lhe cheguei a entregar a chefia como o pretendido e para a qual o havia contratado.

Daniel Costa

UMA GRÁFICA E O CLERO

Foto de Daniel Cordeiro Costa.
UMA GRÁFICA E O CLERO

Numa empresa, com pretensões a tornar-se moderna tornava-se urgente tomar outros caminhos, mesmo vivendo num regime fascista, cuja propaganda oficial, lhe chamava Estado Novo. Não podia ser dominada por uma sociedade clerical do tempo, como se verificava.
Demais na indústria gráfica, o sector da sociedade, onde maior evolução se notava. 
João Moisés observava que ali ao invés do que era corrente, em conversas mesmo que não fossem de trabalho, referia-se o administrador, como o Senhor Director… o Senhor Doutor e por aí fora. 
Mundo estranho aquele!...
Bem se pode saber que o edifício ainda era habitação de freiras, eram tratadas por irmãs, uma chefiava a encadernação, outra a loja de paramentos, santinhos, hóstias, secção de pessoal dirigida por um sacerdote, etc.
O Jornal Novidades, que reflectia as tendências do Patriarcado, tinha ali a sua sede e era dirigida das mesmas instalações por um eclesiástico, monsenhor Moreira das Neves.
A revista Flama, do mesmo grupo sedeada ao virar da esquina, na Rua Rodrigues Sampaio, executada também na União Gráfica e dirigida por António Reis, é que parecia querer trilhar caminhos mais modernos, os próprios trabalhadores, onde se contava o desenhador Manuel Vieira que, fora autor o boneco Zip Ziz, do célebre programa de televisão do mesmo nome, a dar mostras de anti religiosidade, mostravam um certo distanciamento, relativamente ao que dissesse respeito à casa mãe.
O mal menor seria a presença de elementos afectos à Opus Dei, mas esses estariam mais virados a inovações, de que uma grande gráfica havia de trilhar por força.
Tal como sempre, pelo menos depois de Gutenberg, o meio gráfico tinha de se posicionar, como a principal alavanca de progresso e elevação da sociedades.
Tentativas feitas para elevar a empresa eram letra morta, à partida estavam marcadas para uma espécie de selo de insucesso, redundavam assim em retrocesso.
Definitivamente, o Patriarcado tinha colocado ali os anti corpos, os pequenos poderes constituídos pelos afilhados, como o eram por exemplo, ex seminaristas. 
Grande parte dos clientes vinha do clero o que à época não ajudaria. Recorda-se o pároco da freguesia das Mercês, em Lisboa, o padre Marques Soares que, sendo fervoroso do culto de Santa Teresinha ali implantado, editava e dirigia uma publicação periódica, denominada precisamente Rosas de Santa Teresinha, que mandava executar na empresa da Rua de Santa Marta.
Da mesma constava uma secção de correspondência, normalmente eram cartas vindas do Portugal de Angola, naturalmente de gente colocada em missões. Delas faziam parte relatos de milagres, nascidos de factos tão comezinhos que, podiam mesmo nem ter lugar na categoria de incríveis, porque se baseavam em pequenas incidências diárias.
Só por si, o facto não traria grande admiração a João Moisés, que até já tinha passado por Angola e sabia como seria fácil um envelhecido missionário, isolado dum mundo em desenvolvimento, retroceder no foro intelectual, no entanto as respostas elaboradas pelo pároco das Mercês de Lisboa, constituíam uma coisa incrível, nem poderia haver já qualquer entidade celestial, que não tivesse o poder de perdoar tamanho atraso mental ou retrocesso, mesmo se visto com um olhar místico.
Coisas que não podiam agradar à mentalidade de João Moisés, que achando por muitas razões, não merecer que as divindades o tivessem conduzido àquele mundo, que não reflectia nem de longe o seu tempo.
A alimentação do ego situava-se na procura de futuras soluções, onde os seus conhecimentos deviam esvoaçar com melhor aproveitamento.
Por vezes também chegavam clientes representadas por pessoas causticadas com tanta mesquinhez, que vinham prontas para a dureza, como a Maria João Aguiar, ao serviço do Donas de Casa.
À índole pessoal rebelde, por natureza, acumulavam-se factores de desagrado. Encaminhada para João Moisés, desabafou e acalmou.. 
Assuntos resolvidos!... Acabou por tornar-se um prazer interagir com alguém do tempo.
Ainda pior chegou depois: Entrou-se na administração de um padre, monsenhor Assis, um homem forte e meio anafado. Estaria ali uma solução para a elevação da empresa?
Decididamente, nem pensar, tinha entrado mais retrocesso, talvez obra de demónio. Já se manifestavam os “reizinhos”, com quem promovia reuniões, no próprio passeio da rua, mesmo em frente da janela do departamento, os desabafos eram uma constante e finalmente estavam a ser recuperados velhos privilégios, com os inerentes poderes pessoais.
Monsenhor Assis tomara um poder principal, o de humilhar os de maior qualificação, com a ideia concebida de despedimentos, naturalmente investia primeiro contra os mais novos do quadro.
Feitas sondagens a respeito, uma irmã diria sem rodeio: não diga que veio ganhar mais de cinco contos?
Era a chefe da loja, ficou deduzido que seria a cifra do seu próprio salário!...
Com alguns vindos do Dafundo, era a ideia de refrescar a empresa, estava uma boa amiga. Abordada, ficara conhecida a apreensão que grassava naquela gente.
Definitivamente a chegada do clérigo, transformado em director, funcionava como a encarnação de um demónio. Coisas estranhas de um velho mundo!
Pouco tempo passou e João Moisés foi chamado ao serviço do pessoal, deu-se o que pensava, no fundo já o esperava!
- Ordem de despedimento!
Foi depois encaminhado a um senhor padre, este começou por dar conselhos, relativos ao despedimento, devia ser o psicólogo da turma!
Como estava a tratar, com quem se considerava da época! Este nada satisfeito pelo seu despedimento, tinha de partir para outra e era só no que pensava, no momento, abortou a abordagem da maneira seguinte:
Por favor, é melhor poupar retóricas, tudo será solucionado!... Jamais desejarei ver clérigos na minha frente, Deus acaba de perder um devoto!...
Nos pagamentos, uma outra freira, o dinheiro em cofre devia ser pouco, a irmão bonita como a apelidavam, era-o e diziam as línguas más, na clandestinidade teria um amante, fazia o seu papel de adiar o procedimento de pagar.
Que nada, se podem fazer despedimentos, logo devem prestar contas!...
- A veemência terá tido o efeito de fazer encolher a contabilista e João Moisés foi satisfeito.
Entretanto, tendo já passado pela grande provação, saiu!...


Daniel Costa

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2018

RUA DE SANTA MARTA

Foto de Daniel Cordeiro Costa.

RUA DE SANTA MARTA

A dezanove do mês terceiro do ano de setenta, do simbólico e certa maneira marcado, pelo cumprimento dum sonho antigo, sem elevada dose de convencimento, o João Moisés deu entrada ao trabalho de uma grande empresa, instalada em enorme casarão, da artéria de Lisboa, paralela à Avenida da Liberdade, do lado nascente e à direita de quem sobe, a RUA DE Santa Marta.
O nome tina uma certa antiguidade e laborava para todo o Portugal de Aquém e Além - Mar em África, razão porque era invejavelmente popularizado, até porque estava na onda clerical, conhecida em todas as paróquias, o que fazia irradiar um ar de reverência que, se bem verificado, a firma estava a ficar muito desactualizada e fora de caminhos tendentes ao progresso empresarial.
Vejamos: Administrativamente, pretendia chegar a essa modernidade, o que só podia ser alcançado com sangue novo, em toda a linha, o que procurava com Administrador e Director Comercial, mais secção de publicidade, tudo novidade.
Continuavam, contudo os reinados com “reizinhos” e freiras a deter o comando em sectores, onde por atrasados no tempo, ou por puro boicote a novas directivas ultrapassavam-nas, ao serviço de interesses mesquinhos e pessoais, de há muito instalados, fazendo ruir toda e qualquer ordem de progresso, inerentes a uma empresa de vanguarda como pretendia ser e o que anunciava na insistente publicidade.
Assim inexoravelmente, com a inovação a chegar, o colosso empresarial afundava-se mais, com os custos das então novas tecnologias a tornarem a viabilidade enganosa, como o eram as campanhas de publicidade que, em conjunto iam tendo lugar.
Logo no dia de apresentação, João Moisés imediatamente observou o logro em que tinha caído, pois aceitara um insistente convite.
Não tinha de se arrepender, ponderar apenas!
Tinha tomado a opção errada ao aceitar o convite de pessoas, que conheciam bem as boas condições em que trabalhava e não obstante!...
Decididamente, a União Gráfica não poderia oferecer o que tentava preparar em vão.
De um moderno gabinete, saltara para uma espécie de vão de escada, da cadeira rotativa passara a trabalhar de pé, de poder visionar qualquer obra ao vivo, em qualquer fase de execução no próprio local, por onde tivesse de passar, tinha de se limitar a ser informado por um telefone interno.
Simplesmente, era-lhe vedado o trabalho oficinal, o que dificultava o acompanhamento, tal como conviria aos executantes e era sabida a habilidade para sonegar as informações necessárias, a fornecer aos clientes, afinal o motor da existência da fábrica, para quem nem havia respeito.
Com estruturas estabelecidas em velhas rotinas, o boicote era a condição oficinal numa sociedade onde a reivindicação era proibida e que só o estatismo podia ser notado, como poder de força invisível.
Pois bem!...
O caminho tinha sido tomado, serviria de asas para novos voos!...
- Imediatamente, se iniciaram medidas para novo salto. A força de vontade, o poder negocial, algum talento e até a juventude ajudariam!...
- Em vão, os dias passavam, verificava-se que os tempos eram outros. A integração fez-se, como se tudo se apresentasse correcto. Houve depois também a previsível melhoria de instalações, embora sempre deficientes e o interesse em conhecer mais, aquele estranho mundo gráfico, acentuou-se com o desejo de crescente preparação.
Agora, já havia instalações, de certo modo, dignas para receber e atender clientes, logo na entrada do edifício e enquanto seguia a procura de um novo rumo, efectuava-se a adaptação.
Aquele era mesmo um espaço diferente, os clientes diferentes, não se repetiam, mas no fundo gostavam do bom acolhimento, tal como fora sempre aprendido pelo João Moisés, pareciam agradados!...
Podiam detectar-se duas espécies de trabalhadores, os mais antigos a procurar a situação de ruptura, face à tentativa de modernização, eram os coitados! 
E outros, que se mostravam agradados de ver gente a indiciar nova era.
Verificava-se algum rejuvenescimento, havia já um interessante “lobie” constituído por elementos vindos do Dafundo, a abarcar diversos sectores, que procurava fazer evolucionar o sistema. 
Entretanto, começava o serviço de relações públicas a trazer alguma satisfação e interesse, e recordavam a João Moisés, o modo como gostava de ver o universo do trabalho gráfico.
Bastantes obras estavam a passar pelo departamento, inclusivamente algumas de carácter menos ortodoxo, religiosamente falando e olhado a Senhora Dona Censura, já que a gráfica era de pertença e inspiração católica e ali evolucionava, em missão de trabalho, um alto censor de nomeação estatal, para questões da Fé.
Trazer impressa, o que era de lei, a origem da União Gráfica seria a garantia perante o público, que podia descansar por não cometer algum sacrilégio, mergulhando em leituras menos comuns.
Acompanhando variados trabalhos, é grata a recordação de um livro editado pela Câmara Municipal de Sesimbra, com o planeamento da edição a cargo do seu autor, Rafael Monteiro.
O livro ficou com a designação: “A VERDADE Sobre os Limites dos Concelhos de SESIMBRA, ALMADA E SEIXAL”. Rafael Monteiro seria um funcionário, assim a modos, que avulso… fazia muitas coisas, apresentava-se modesto por natureza e sem pretensões qual asceta culto. Seria remunerado à tarefa.
Dedicava-se muito à investigação arqueológica, levando a cabo várias escavações em sítios, como o do Mosteiro da Arrábida.
Era também muito interessado no estudo do esoterismo.
Tornou-se um bom amigo, confiante em quem, internamente, acompanhava a execução da obra, João Moisés.
Já este tinha sido obrigado a deixar a União Gráfica e… finalmente, o livro saiu!...

- Dedicatória:
- O livro “esperado” e gralhado… Agradece a colaboração “Técnica”, lamentando que não fosse até final”
(Assinatura – Rafael Monteiro)

Daniel Costa

domingo, 4 de fevereiro de 2018

BERTRAND - IMPRIMARTE



Foto de Daniel Cordeiro Costa.
BERTRAND – IMPRIMARTE

A grande empresa gráfica do Dafundo, estava a entrar em processo de reorganização, com um administrador brasileiro e um Director comercial cubano, vindos do país irmãos, para vender a mesma, o que se tornava notório.
Assistia-se ao impensável, pelo menos no que tocava à impressão de livro, o editor que tinha aceite um orçamento para uma unidade, recebia um emissário do sector de vendas, com proposta para a transformar para quatro unidades Como ficaria mais em conta e depois de muito instado aceitava.
Ao tratar da obra nos CONTACTOS, comentava o efeito de que não percebera os fins, tanto mais que, teria argumentado o não ter ainda novo original para outra edição. Acontecia isso frequentemente, o editor mostrar ali a estranheza.
Já se vê que o emissário de vendas também era beneficiado, com as comissões a chegarem no mês seguinte, bastava o orçamento ter sido aceite, nem que a obra não viesse a conhecer efectivação, o que seria natural acontecer.
Que se conhecesse, um editor falido aproveitou e mandou imprimir quatro livros, nunca terá liquidado, porque entretanto teve de acabar de vez, a actividade, mas o homem de vendas tinha recebido a compensação.
Tratava-se de operação fraudulenta, destinada a enfatizar a carteira de obras, a ser exibida às empresas interessadas a entrar no negócio. 
Num Domingo, realizou-se um almoço de confraternização num afamado restaurante da periferia de Sintra, só destinado a gente em exercício de chefias ou equivalente, até porque a bandeirada era elevada para a época, o relevante custo de 40$00.
Comparecerem os detentores dos mais elevados cargos, alguns vindos do Brasil em regime de comissão de serviço e partiu desses a verdadeira loucura em que terminou o almoço, com um jarrão de vinho a passar por todos, de mão em mão, com um acima abaixo e bebe.
Resultou em vários pró embriagamentos, o tecto decorado com várias réstias de cebolas e outros produtos imperecíveis, esvaziou-se, com as orgias que se seguiram.
Na Segunda-Feira seguinte uma mulher secretária de quem pagou, foi de secção em secção, apresentar a conto suplementar, a quantia de mais 20$00, o valor de um bom almoço na época.
No fim do ano, na secção de encadernação, houve festa geral com garrafas de champanhe e bolos. O discurso fácil do administrador brasileiro, não se fez esperar visando os muitos que se iam demitindo, para formar uma empresa concorrente, enquanto pintava de cores negras, a gerência que se formava.
Gerara-se nova fraude, tentava-se o funcionamento de relações públicas internas, para que não se desse a insinuações que sendo certas, eram contrárias aos objectivos traçados.
Agora os CONTACTOS deixaram de ser, como que uma pequena empresa a actuar dentro de uma grande e ficara reduzida a dois elementos, acoplados à Secção de Programação. Os outros elementos, sem conhecerem ainda uma previsível situação de despedimento, eram transferidos para tarefas bonitas, mas a que já se apelidava de prateleira.
Deixaram de lhe atribuir o característico dinamismo com que se distinguia, que era o de representar internamente, os interesses dos clientes, afinal o que, comercialmente motivava o objectivo a fábrica.
Mesmo assim, a desenhadora e maquetista do projecto, pretendia desviar a feitura de um livro, encomendado por um departamento estatal. Funcionara, decerto o aceno de uma melhor comissão para o desvio!
Com as muitas vicissitudes, o atraso era evidente, tendo em conta o que constava do próprio orçamento de contrato, porém a feitura da obra chegara à encadernação, o mesmo que dizer, à fase de acabamento.
João Moisés, acumulara o acompanhamento dos trabalhos do sector estatal e fora convocado para uma magna reunião, a propósito, no respectivo departamento, incluía maquetista, representante da empresa gráfica e o próprio Secretário de Estado.
Cabia ao acompanhante interno da obra, fazer-se representante da empresa. Aconteceu assim e com oportunidade, começou de imediato a tratar do melindroso assunto. Dirigiu-se ao chefe da encadernação e com o habitual, mesmo necessário, poder de relações públicas e pondo-o ao corrente da situação, obteve deste a garantia de lhe ser proporcionada a execução completa de um livro, para apresentação.
Mesa redonda e eis que aparece o único livro executado, o bastante para o Senhor Secretário de Estado de Estado a presidir, desse por finda a reunião, visto estar concluída a obra.
A maquetista teve a resposta devida e nem queria acreditar, exibindo sempre o seu olhar trocista, desconfiado e de soslaio. Devia contar haver pessoas que levavam muito a sério os seus deveres, em todas as circunstâncias, como aconteceu.
Desta vez não lhe valeram os trunfos de mulher nova, matadora e espampanante, numa floresta de machos latinos.
- Perdeu!...
Agora tinha acabado a Bertrand & Irmãos, do grupo brasileiro Celsa, que já a havia transaccionado com a americana ITT.
Dera lugar à Imprimarte, ficara com o mesmo nome e ficou na mesma direcção das Páginas Amarelas, as listas telefónicas que já executava,
Já não se verificavam as mesmas condições de trabalho, tudo mudara!
João Moisés, vendo a publicidade, que no caso se tornava enganosa, aceitou um convite, também eivado dos enganos e das deslealdades do mudo.
Demitiu-se, indo para essa empresa concorrente, antes que chegasse a hora da previsível ordem de despedimento.

Daniel Costa

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

BRANCO E NEGRO

Foto de Daniel Cordeiro Costa.
Foto de Daniel Cordeiro Costa.
O humor do Vilhena
BRANCO E NEGRO
O Dafundo, como local de trabalho, continuava o máximo e o permanente optimismo irradiado por João Moisés era contagiante, capaz de ultrapassar todas as barreiras, que se deparam em qualquer ocupação laboral. Bem vistas as coisa apareciam muitas, que sempre iam sendo sanadas pessoalmente, com um certo jeito de negociação e o dever de cumprir bem o que prometera ao cliente.
No fundo, tratava-se da necessidade de atentar nos prazos, já que a mercadoria não saia de prateleiras, tinha de ser construída em várias etapas a serem ratificadas pelos clientes. Para além da fabricação havia o pressuposto de que cada obra tinha uma componente artística, que não podia ser ignorada.
Para isso, tinha sido criada a secção dos CONTACTOS, a funcionar também como a primeira linha crítica.
No caso dos livros, havia as primeiras provas a partir de granéis de composição tipográfica, pelo que existia uma sala cheia de linotypes de serviço, com os seus operadores, a funcionar por turnos.
Depois das provas revistas, outros especialistas formavam as páginas, para nova revisão.
Só então vinha a imposição, ou seja a formação dos cadernos em chumbo para a impressão tipográfica em papel, por máquinas próprias com o seu operador experimentado e especializado. 

Contava sempre com sempre com um ajudante, que estaria a fazer o seu estágio, para mais tarde também ele vir a ser oficial.
Para chegar á impressão, uma última revisão, era feita por revisores da própria empresa, para que tudo saísse certo.
Quando as tiragens atingiam números mais elevados, imprimiam-se as páginas em papel “couché”, o mesmo era fotografado e depois feita a montagem das películas.
Das mesmas faziam-se cópias em ozalide, formando o livro virtual para a aprovação do cliente, passando pelo filtro do respectivo elemento do CONTACTO.
As revistas, executadas nos mesmos moldes, por serem periódicos havia maior aceleração. Deslocava-se ali algum responsável pela edição, por qualquer falha da gráfica ou da própria editora, para maior eficácia e rapidez.
Atento aos perfis humanos, começou por atentar nas visitas do editor da “Branco e Negro”, o José Vilhena, o próprio titular da empresa, que indiciava um pouco da personalidade do seu criador.
Ainda por cima, com o Estado Novo em actividade, mal entrava no gabinete e sem conhecer ainda bem a pessoa, que o passara a atender, referia-se a qualquer estrutura administrativa, mesmo que fosse estatal e que englobasse o senhor António de Oliveira Salazar, como “aqueles tipos”, sempre de maneira sarcástica.
Devia ser um anarquista de primeira apanha!
- E se encontrasse ali, um informador da PIDE?
Nem pensar nisso era bom, a acontecer não seria inédito, também não lhe traria saúde, porque era assíduo “cliente” de Caxias, “refúgio” onde escrevia os seus livros mensais de bolso, para um público fiel, que os comprava via correio.
Deve ter-se dado uma empatia e na secção de CONTACTOS, o Vilhena era sempre bem recebido, homem de aspecto vigoroso, impecavelmente trajado, porém circunspecto.
Sabendo o que queria, tratava de assuntos importantes, como se parecesse uma criança grande, dizia o estritamente necessário, a que não seria alheio o seu permanente contencioso com o poder instituído.
Como encontrava simpatia, também sabia estar à altura e sempre correspondeu.
Invariavelmente deslocava-se ao Dafundo para tratar de assuntos relacionados com a feitura dos seus livros e passou a confiar a João Moisés, no seu jogo do gato e do gato, com a Censura até à última hora, do armazém onde eram entregues os livros, nada podia constar nem imaginar,
Chegava a indicação de pronta a obra e apenas nessa altura era comunicado ao chefe da expedição, onde devia ser feita a entrega.
A “Branco e Negro" fazia distribuição por algumas livrarias, e de imediato os exemplares eram apreendidos!
Os restantes estavam algures a ser enviados aos indefectíveis compradores, já com os mesmos pagos adiantadamente.
De seguida a autor e editor, ia uns dias para a prisão política de Caxias e era movida investigação:
- Onde estariam os muitos exemplares?
Na Bertrand & Irmãos, já se conhecia bem do assunto e os risinhos nunca se faziam esperar, porque chegava sempre a abordagem.
Normalmente a Censura, na sua usual estupidez, convocava o respectivo chefe de produção, que obviamente, não curava dum assunto a que podia passar sem dar importância. Tinha-se produzido o trabalho e lavava as mãos.
Um dia, depois de ser ouvido na comissão, este chamou João Moisés ao seu gabinete e deu-lhe a notícia, de que Censura estatal, depois do interrogatório inconclusivo, como sempre, planeava confrontá-lo, que se preparasse!
Juntamente com um sorriso ouviu logo:
- Nem sei de nada!...
- É isso afinal que tens para dizer – coitado de ti, nada sabes!...
Logicamente, não houve mais comentários, nem mais indagações.
À data José Vilhena, com o fim de desviar os seus trabalhos da Censura, que não passavam de sensualmente políticos, viraram para os de tema religião, mas: Dos três departamentos superiores, um tratava da religião!
De qualquer maneira o Vilhena era tido da secção, como um grande ponto, até pela sua finura. As instalações da editora, eram de requinte digno de nota.
Como gostava de boas mulheres, só tinha empregadas, novas e esculturais. O soalho da casa era alcatifado, com música em gravador espalhado na própria. Um primor de bom gosto em suma!

Os livros e postais da sua autoria, sempre de cariz sensual, tinham fama. Um dia um chefe de secção veio aos CONTACTOS e com certo jeito, insinuou a condição de João Moisés tratar muito com o autor, Dizendo ao que ia, se lhe pedisse, ele podia enviar uns livros para a malta.
Este duvidando, apresentou o pedido. E não é que o mesmo foi bem aceite?
- Passados dias, chegaram dois embrulhos, com a recomendação:
- Este é para si, o outro para os seus amigos!...

Daniel Costa

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

DEZOITO DE MARÇO

Foto de Daniel Cordeiro Costa.Foto de Daniel Cordeiro Costa.
DEZOITO DE MARÇO
A empresa concessionária das listas telefónicas, detentora das Paginas Amarelas, a Celsa, do mesmo grupo da Bertrand & Irmãos, estava a enviar, diariamente, um grupo de pessoal a uma jornada guiada à impressora, afim de visitar e observar todas as instalações num curso, a que viria a chamar de reciclagem, visto que ficariam a entender melhor os mecanismos de fabrico, em livro, do muito trabalho de preparação dos anúncios e de toda a organização do mesmo.

A acção, como devia ser apoiada pela secção de CONTACTOS, por força teria de ser ali, ou mesmo superiormente equacionada. Não aconteceu e na primeira visita, sem a formalização de qualquer aviso, foi tomado o rumo certo pelo grupo, de que resultou a mobilização de João Moisés, sempre com disponibilidade para entrar em acção.
Aconteceu que no dia seguinte, tudo se manteve, João Moisés pelas quatro da manhã teve a felicidade de ser pai e… Chegou mais tarde.
Das chefias nada de resoluções, passar a manhã na missão de cicerone até era agradável, mas havia outras responsabilidades, que tinham de ficar adiadas e ali estava um outro grupo à espera que, sabendo do feliz acontecimento começou por: em coro apresentar, felicitações.
Resultou, sem tempo de ver o que havia de novo, ter de iniciar o dia mostrando, sector a sector, toda a fábrica gráfica.
Alguns dias, durou aquele trabalho, sem dúvida interessante, porém devia ser distribuído por todos os colegas, já que era de mais valia profissional, ou por isso mesmo, tornava-se didáctico, para toda a secção que liderava os CONTACTOS laborais exteriores da empresa, no fundo tratava-se de relações públicas.
O dia terá sido de facto, o dia mais marcante na vida de João Moisés, o inesquecível dezoito de Março de mil novecentos e sessenta e nove, ainda nesse espaço de apenas vinte e quatro horas, o vendedor que estabelecia os contratos com editoras, tinha em mãos a negociação de vários, com a conhecida empresa Selecções do Reader’s Digest, com uma reunião marcada com o administrador.
Não achou melhor do que apresentar o elemento, que acompanharia as obras. 
Apareceu à tarde no seu “Triunf” desportivo e descapotável, a sua imagem de marca, a comunicar o assunto a ser tratado de imediato.
Começou por haver recusa, foi apresentado o motivo, mas era importante para a empresa e não ouve outro paliativo que não a aquiescência.
O dia era de chuva torrencial, o resto da tarde acabou por ser preenchido com a magna reunião e acabaria com a concretização do importante negócio, que competia ao titular de vendas.
No dia seguinte, soube que precisamente no dia dezoito a revista “Plateia” impressa na casa, saiu com duas fotografias suas, com o colega de gabinete e Vitoriano Rosa.
O porquê conta-se a seguir:
- A Agência Portuguesa de Revistas, editora da “Plateia” aniversariava nos jardins do então famoso restaurante Quinta de S. Vicente, em Telheiras para onde, além de todos os empregados da empresa, muitos colaboradores exteriores da editora, tinham sido convidados.
Á secção de CONTACTOS da Bertrand & Irmãos chegaram dois, um era destinado ao António Alcaráraz, o outro ao chefe Fernando Sobreiro. Este não podia estar presente e delegou a agradável “tarefa” a João Moisés, já que era o substituto daquele, quando necessário, no acompanhamento da revista que semanalmente era impressa no Dafundo.
Funcionando como anfitrião da festa, Vitoriano Rosa, na prática o verdadeiro Director, já que o amigo, Major Baptista Rosa, sócio da Agência, figurando na ficha técnica, entregara ao jornalista amigo, toda a condução da mesma.
Nessa qualidade, acercou-se chamou o fotógrafo de serviço, mandou disparar o”flash” e saíram os documentos, a inserir na reportagem da festa.
- Comentário de António Alcaráz: 
- O Vitoriano é muito amigo, mostrou-o suficientemente, mas não haverá espaço, na reportagem para comportar este registo!…
- Queres apostar?
Mas, realmente as fotos saíram bem visíveis, no número da “Plateia” desse dia.
O Colega de gabinete e amigo António Alcaráz, por fazer parte dos soldados dos Sapadores Bombeiros de Lisboa, constantemente recebia chamadas para ajudar a socorrer casos de catástrofe na cidade, pelo que era forçoso ser substituído, por João Moisés, nos vários trabalhos que tinha em mãos.
Ocorreu várias vezes à Sexta-Feira de tarde, de ter de desempenhar a habitual tarefa, de em última hora, passar pela Comissão de Censura, em S. Pedro de Alcântara, com uma simples página semanal da revista “Plateia”.
Tratava-se de uma crónica critica de rádio, que um colaborador externo entregava, por regra, naquele dia da semana, por ser final de cada edição, para estar nas bancas todas as Terças-Feiras.
Nunca havia complicações naquele departamento, mas a censura prévia obrigava a esse procedimento, o trabalho continuava, porém a prova, essa ficava sempre arquivada, com o visto azul do lápis de algum censor de serviço.
Assim, nunca isso passou dum ritual, tanto mais que o Major Baptista Rosa, figurava como Director, o que era uma garantia, para que tudo corresse bem. Mas a prova tinha de ser lida antes, porque a censura prévia estava instituída.
O ritual dessas visitas da Sextas-Feiras cabia, por contrato, aos serviços da empresa impressora, devido a ser mesmo um serviço de última hora, dado que se evitavam perdas de espaço temporal, entregando a prova nos escritórios da Agência Portuguesa de Revistas, como acontecia noutros casos.
Embora este procedimentos, pertencessem aos editores, as casas impressoras estavam cientes dos problemas que podiam enfrentar com a Comissão de Censura, se algo corresse mal e que aquele reino achasse por bem intervir.
Ilustra-se com um caso ocorrido. Determinado cliente mandou executar uma gravura, crê-se que maldosamente, a mesma entrou na respectiva oficina, apenas o chefe ao verificar o original, viu o desenho muito bem feito, mas considerado pornográfico, o que poderia ocasionar sarilho.
Foi chamado e admoestado o responsável pela encomenda e de imediato recusado o trabalho.
Ter muitas encomendas era óptimo, mas sarilhos com a douta Comissão de Censura?... 
Abrenúncio!...


Daniel Costa

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O MUNDO EDITORIAL

Foto de Daniel Cordeiro Costa.
O MUNDO EDITORIAL
Afinal o paraíso parecia estar no Dafundo, visto pelo positivismo, havia coisas engraçadas, como a referência africana ao gabinete, que um colega desfrutava, por vezes depois de uma troca de impressões atirava:
- “Bem tenho de ir até à minha sanzala”!... Efeitos de também ter feito a sua comissão militar em terras de Angola!...
Era a zona dos CONTACTOS onde diariamente se recebiam clientes, alguns de grande nomeada, pois apesar do serviço poder fazer deslocações ao encontro desses, é de crer que a própria estrutura da empresa os fascinasse, a ponto de quererem ser eles próprios a estabelecer canais de comunicação pessoal, respeitante aos seus trabalhos.
Por vezes havia outras razões, até as que se prendia com a Censura Estatal, sempre omnipresente em todo o mundo que fosse sítio, tanto mais onde se poderia passar ao papel propagadas contrárias ao regime vigente.
Não vivida, mas sabida de um companheiro. Fora abjudicada à empresa uma obra em livro que depois de editada, seria lançada no Estádio da Luz, por ocasião de um importante desafio de futebol. No dia aprazado não foi possível a entrega, aventaram-se as desculpas esfarrapadas costumeiras, adaptadas ás circunstâncias, no caso.
Na Segunda-Feira seguinte veio a saber-se, na clandestinidade, dos mesmos originais fornecidos Bertrand & Irmãos, apareceu o livro à venda durante esse jogo. 
O caso, depois veio a ser entregue à polícia judiciária que, munida de mandatos, passou revista a casas de funcionários da empresa. 
Sendo assunto recente, mas passado antes da entrada de João Moisés, para este funcionou apenas como interessante, a existência de nobreza daquela ocupação era feita de outras causas.
Era recorrente a visita, à média de duas vezes por semana, por um trio de Administradores e Editores da Palirex, que quando eram avistados, muitas vezes alguém dizia: Tens aí os Índios para tratar!
De facto um destes desenvolvia os assuntos como se estivesse a negociar mercadoria de ferro velho, era o encarregado de gerir a contabilidade, o outro desenhador alinhava muito com o contabilista. O terceiro era verdadeiramente escritor e jornalista, o que tutelava mais a parte editorial, era o Roussado Pinto, que lhe passou a dedicar uma verdadeira amizade.
Com essa editora veio a acontecer algo de lastimável. Estava-se na era dos saquinhos de cromos, que viriam a preencher cadernetas, cujas completas, davam direito a um brinde. No caso, era composto de uma bola do futebol profissional, pois tratava-se de fotografias a cores de jogadores de clubes, que iam entrar na Taça dos Campeões Europeus, onde se contava a do Sport Lisboa e Benfica.
Eram muitos os cromos e as entregas feitas por partes, já que se compunham de várias folhas de 70 x 100 cm, com a necessidade de muitas horas de guilhotina, para separa todas as efígies dos jogadores, que iam entrar em acção.
Certo dia, um dos motoristas ao dirigir-se a entregar uma tranche de cromos, teve um desastre mortal e como consequência, além da sua trágica morte, os coloridos papelinhos espalharam-se por toda a via.
Caro que a empresa tinha seguro a cobrir riscos desses. O assunto era do foro contencioso, mas o contabilista vislumbrando a oportunidade de fazer grande fortuna, reivindicava insistentemente junto de João Moisés ser indemnizado de todo o material, pelo preço que venderia nas livrarias, ao invés do custo de fabrico que lhe assistia por direito.
O acompanhamento da obra acabou por se tornar demasiado complicado, com esse lance.
O Departamento de contencioso, acabou por, tratar do infeliz caso, como lhe competia.
Outra empresa de razoável dimensão, que por ali passou, designava-se Editorial Aster, editando além de outros, bastantes livros didácticos. Terá sido aquela, que mais ficou na retina por muitos motivos, não só por acompanhamento de trabalhos, mas porque fora deles perduraram amizades pessoais.
Houve a feitura de um livro escolar, “Ciências da Natureza”, por três autores, Capitão Mascarenhas Barreto, Dr. Perry Vidal e Dr. Barrilaro Ruas. O livro, como muitas vezes acontecia naqueles tempos, ia sendo concebido aos poucos, até que apareceu a obra impressa.
Além deles e daquela importante realização, de que Aster era editora, e um importante cliente, pelo que foram tratados relevantes trabalhos, recebidos outros eventuais colaboradores e empregados, além do próprio Administrador. Este apareceu por diversas vezes, a verificar itens talvez mais sofisticados, como a obtenção de prazos.
Merece destaque especial, Selecções da Reader’s Digest, um outro dos melhores clientes, em toda a linha, que teve sempre trabalhos em andamento, obras de grande envergadura.
A maior lembrança era a conhecida, por todo o país, Livraria Popular de Francisco Franco, da Rua Barros Queirós, por se dedicar à venda e distribuição de material escolar. João Moisés trabalhos algumas vezes com Carlos Mota, um herdeiro, por casamento, de Francisco Franco, com a particularidade de ser filho do Dr. Góis Mota, um Presidente do Sporting Clube de Portugal, que teve o privilégio de dar o arranque, com o lançamento da primeira pedra, ao primitivo ao Estádio de José de Alvalade. 
No ano de 1968, apareceu um colega com um cartão, pelo qual havia desembolsado a quantia de quinhentos escudos. Tinha entrado num jogo de “pirâmide", pelo que desejava passar o bilhete para outras mãos a todo o custo. No fundo já estava arrependido da aquisição, embora o objectivo fosse o negócio.
O João Moisés entrara em jogos do género, mas implicavam apenas a aquisição de alguns postais ilustrados, até sabia que era interdito, por lei, mas isso era no fundo um passatempo engraçado, mas “brincar” com notas de quinhentos paus?
Na década de sessenta era elevado e caro, a negativa foi o caminho natural, para o seu espírito de mau comprador.
A entidade patronal seria sempre algo de inesquecível. Pertencer a um grupo daquela envergadura e as condições achadas, continuavam a ser coisa de um outro mundo, muito desejado!

Daniel Costa

segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

DAFUNDO

Foto de Daniel Cordeiro Costa.
Foto de Daniel Cordeiro Costa.
NO DAFUNDO
Num dia de Junho de 1968, depois de vários testes, João Moisés conheceu o inolvidável privilégio de entrar a trabalhar na empresa gráfica BERTRANDO & IRMÃOS, nas instalações do Dafundo. A mesma tinha Sede em Lisboa na Travessa da Condessa do Rio, na freguesia de Santa Catarina, onde teve toda a sua actividade durante bastantes anos.
Ter pouco mais de três anos de preparação no seio de uma empresa essencialmente de zincogravuras e logo ser colocado num departamento administrativo comercial do mundo gráfico, como uma fábrica da dimensão daquela, talvez a maior do género do país, com secções de tudo o que àquela arte diziam respeito, podia ser considerado um grande feito, por quem tinha ainda havia tão pouco tinha deixado de ser trabalhador estudante, objectivamente para se valorizar.
Ainda por cima teve de provar a um examinador credenciado estar apto para o cargo!
Era também uma oportunidade, para conhecimentos mais profundos e para prosseguir a veia policial, que lhe estava consubstanciada na alma.
Foi-lhe atribuído um gabinete que passou a partilhar com um outro colega, numa estrutura composta por um director comercial, o Dr. Brás Monteiro, um chefe de secção com a sua sala própria, para receber clientes mais sofisticados, ou para tratar de assuntos normalmente complicados, mais dois colegas na sua própria sala e uma estrutura, com secretariado de apoio, de que faziam parte uma jovem senhora e um paquete.
Depois havia os chamados serviços comerciais, compostos por homens de vendas, com a sua carteira própria, também secretariados, que ficaram sempre no que se designava Sede em Lisboa.
Só aqui estava já uma grande estrutura, depois havia toda a produção no Dafundo. A Direcção tinha no comando o Dr. Manuel Metello, proveniente da empresa Celsa, concessionária das listas telefónicas, que só a BERTRAND & IRMÃOS teria capacidade de executar.
A referida firma de origem brasileira, adquirira a gráfica, cuja produção se propunha expandir para o estrangeiro, contando já com um elemento da Hungria, a viajar por vários países.
No fundo, João Moisés parecia ter um mundo para trabalhar, tudo começou duma forma aliciante, nem ele mesmo, alguma vez ousara sonhar com tão boas condições, tanto mais que em breve tinha conquistado o apreço de todos, não só com quem tinha de relacionar-se por inerência, mas também com outros, pelo menos os do se nível, pois eram esses os interlocutores naquele trabalho, que visava estabelecer a ponte entre o cliente e as chefias das secções, por onde passava cada obra.
O núcleo já apontado, tomara por essa razão o sugestivo nome de CONTACTOS e tinha de ser por ali que passavam todas as obras a executar.
Nos dois gabinetes, aos quatros cabiam outros tantos pelouros em separado; trabalhos provenientes de editoras de livros, de revistas, de agencias de publicidade e do estado.
Tudo corria bem a João Moisés pois calhara-lhe no sector de livros, o que mais gostava, tinha sido um feliz acaso.
Mal tinha ocupado aquele trabalho e logo se deu em Lisboa, na Feira Internacional, à Junqueira, a FILGRÁFICA um grande certame internacional de Artes Gráficas, a que a empresa BERRAND & IRMÃOS, como grande empresa que era, tal como se afirmara no panorama nacional e tentando expandir-se internacionalmente, não se podia alhear.
Concorreu com o seu Pavilhão e nele dispunha de uma equipa, composta de uma senhora que agenciara, um homem de vendas e outro dos CONTACTOS, a dupla comercial era revezada diariamente, como era óbvio.
Logo num dos primeiros dias, foi a vez do João Moisés a quem calhou, como companheiro o Rodrigo (que veio a revelar-se fadista de nomeada), teve a oportunidade de ouvir bastante das suas aventuras, ficando a conhecer logo a sua fascinante personalidade humanística.
Seguiram-se inúmeros e variados trabalhos, como facilmente se pode calcular: Uma das entidades que primeiro chegou com obras ao cuidado de João Moisés foi Selecções do Reader’s Digest. Manuel Bertrand, um dos Directores de vendas, veio-lhe apresentar João Bruno, da produção daquela empresa. Seguiram outras como Palirex, a Íbis, a Meridiano, a Aster, a Francisco Franco, a Férin, a Início, a Galeria Panorama, a Branco e Negro e outras, quase todas desaparecidas na voragem dos tempos.
Muita gente de nomeada foi conhecida ali e não obstante os anos passados, alguns amigos do tempo perduram, não só colegas de trabalho, como propriamente outros que representavam clientes.
As boas memórias, os livros autografados, obras interessantes manuseadas e guardadas, são testemunho importante de como chegou a disfrutar de um ambiente de trabalho de excepção.
Embora a administração tenha criado condições sociais invulgares para os operários, como por exemplo a duplicação de subsídio para os filhos, aqueles tinham sempre de, na portaria mostrar as pastas, que normalmente serviam para transportar a refeição, ou roupas apropriadas para a laboração.
Sobre trabalhos e evolução dos mesmos, reparos haveria a fazer, porque naquele ano de 1968, entravam ali operários a mais e mesmo assim, faziam-se muitas horas extraordinárias, que tinham de se considerar fora de necessidade, o que já era recorrente no meio gráfico. 
Os próprios chefes pactuavam com a situação, porque estando isentos de horário, abandonavam funções a horas laborais certas, senão mesmo antes, sem nunca curarem de deixar alguém responsável, nem cobravam a ineficácia, no dia seguinte. Parecia agradar-lhe a situação, que na maioria dos casos funcionaria, como dado adquirido.
Quem trabalhava, de perto com os clientes sofria com tal desiderato, queixar-se seria perda de tempo, porque parecia descurar-se a manutenção do posto de trabalho, mesmo naquele tempo, ao invés de o estar a transformar mais próprio para um asilado. 
O que devia ser considerado um meio altamente social a preservar, por todos os meios, como o deve observar-se em qualquer empresa.
Apesar de tudo, continuava a correr de feição no sector administrativo intermédio.

Daniel Costa