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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

DAFUNDO

Foto de Daniel Cordeiro Costa.
Foto de Daniel Cordeiro Costa.
NO DAFUNDO
Num dia de Junho de 1968, depois de vários testes, João Moisés conheceu o inolvidável privilégio de entrar a trabalhar na empresa gráfica BERTRANDO & IRMÃOS, nas instalações do Dafundo. A mesma tinha Sede em Lisboa na Travessa da Condessa do Rio, na freguesia de Santa Catarina, onde teve toda a sua actividade durante bastantes anos.
Ter pouco mais de três anos de preparação no seio de uma empresa essencialmente de zincogravuras e logo ser colocado num departamento administrativo comercial do mundo gráfico, como uma fábrica da dimensão daquela, talvez a maior do género do país, com secções de tudo o que àquela arte diziam respeito, podia ser considerado um grande feito, por quem tinha ainda havia tão pouco tinha deixado de ser trabalhador estudante, objectivamente para se valorizar.
Ainda por cima teve de provar a um examinador credenciado estar apto para o cargo!
Era também uma oportunidade, para conhecimentos mais profundos e para prosseguir a veia policial, que lhe estava consubstanciada na alma.
Foi-lhe atribuído um gabinete que passou a partilhar com um outro colega, numa estrutura composta por um director comercial, o Dr. Brás Monteiro, um chefe de secção com a sua sala própria, para receber clientes mais sofisticados, ou para tratar de assuntos normalmente complicados, mais dois colegas na sua própria sala e uma estrutura, com secretariado de apoio, de que faziam parte uma jovem senhora e um paquete.
Depois havia os chamados serviços comerciais, compostos por homens de vendas, com a sua carteira própria, também secretariados, que ficaram sempre no que se designava Sede em Lisboa.
Só aqui estava já uma grande estrutura, depois havia toda a produção no Dafundo. A Direcção tinha no comando o Dr. Manuel Metello, proveniente da empresa Celsa, concessionária das listas telefónicas, que só a BERTRAND & IRMÃOS teria capacidade de executar.
A referida firma de origem brasileira, adquirira a gráfica, cuja produção se propunha expandir para o estrangeiro, contando já com um elemento da Hungria, a viajar por vários países.
No fundo, João Moisés parecia ter um mundo para trabalhar, tudo começou duma forma aliciante, nem ele mesmo, alguma vez ousara sonhar com tão boas condições, tanto mais que em breve tinha conquistado o apreço de todos, não só com quem tinha de relacionar-se por inerência, mas também com outros, pelo menos os do se nível, pois eram esses os interlocutores naquele trabalho, que visava estabelecer a ponte entre o cliente e as chefias das secções, por onde passava cada obra.
O núcleo já apontado, tomara por essa razão o sugestivo nome de CONTACTOS e tinha de ser por ali que passavam todas as obras a executar.
Nos dois gabinetes, aos quatros cabiam outros tantos pelouros em separado; trabalhos provenientes de editoras de livros, de revistas, de agencias de publicidade e do estado.
Tudo corria bem a João Moisés pois calhara-lhe no sector de livros, o que mais gostava, tinha sido um feliz acaso.
Mal tinha ocupado aquele trabalho e logo se deu em Lisboa, na Feira Internacional, à Junqueira, a FILGRÁFICA um grande certame internacional de Artes Gráficas, a que a empresa BERRAND & IRMÃOS, como grande empresa que era, tal como se afirmara no panorama nacional e tentando expandir-se internacionalmente, não se podia alhear.
Concorreu com o seu Pavilhão e nele dispunha de uma equipa, composta de uma senhora que agenciara, um homem de vendas e outro dos CONTACTOS, a dupla comercial era revezada diariamente, como era óbvio.
Logo num dos primeiros dias, foi a vez do João Moisés a quem calhou, como companheiro o Rodrigo (que veio a revelar-se fadista de nomeada), teve a oportunidade de ouvir bastante das suas aventuras, ficando a conhecer logo a sua fascinante personalidade humanística.
Seguiram-se inúmeros e variados trabalhos, como facilmente se pode calcular: Uma das entidades que primeiro chegou com obras ao cuidado de João Moisés foi Selecções do Reader’s Digest. Manuel Bertrand, um dos Directores de vendas, veio-lhe apresentar João Bruno, da produção daquela empresa. Seguiram outras como Palirex, a Íbis, a Meridiano, a Aster, a Francisco Franco, a Férin, a Início, a Galeria Panorama, a Branco e Negro e outras, quase todas desaparecidas na voragem dos tempos.
Muita gente de nomeada foi conhecida ali e não obstante os anos passados, alguns amigos do tempo perduram, não só colegas de trabalho, como propriamente outros que representavam clientes.
As boas memórias, os livros autografados, obras interessantes manuseadas e guardadas, são testemunho importante de como chegou a disfrutar de um ambiente de trabalho de excepção.
Embora a administração tenha criado condições sociais invulgares para os operários, como por exemplo a duplicação de subsídio para os filhos, aqueles tinham sempre de, na portaria mostrar as pastas, que normalmente serviam para transportar a refeição, ou roupas apropriadas para a laboração.
Sobre trabalhos e evolução dos mesmos, reparos haveria a fazer, porque naquele ano de 1968, entravam ali operários a mais e mesmo assim, faziam-se muitas horas extraordinárias, que tinham de se considerar fora de necessidade, o que já era recorrente no meio gráfico. 
Os próprios chefes pactuavam com a situação, porque estando isentos de horário, abandonavam funções a horas laborais certas, senão mesmo antes, sem nunca curarem de deixar alguém responsável, nem cobravam a ineficácia, no dia seguinte. Parecia agradar-lhe a situação, que na maioria dos casos funcionaria, como dado adquirido.
Quem trabalhava, de perto com os clientes sofria com tal desiderato, queixar-se seria perda de tempo, porque parecia descurar-se a manutenção do posto de trabalho, mesmo naquele tempo, ao invés de o estar a transformar mais próprio para um asilado. 
O que devia ser considerado um meio altamente social a preservar, por todos os meios, como o deve observar-se em qualquer empresa.
Apesar de tudo, continuava a correr de feição no sector administrativo intermédio.

Daniel Costa

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