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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

BRANCO E NEGRO

Foto de Daniel Cordeiro Costa.
Foto de Daniel Cordeiro Costa.
O humor do Vilhena
BRANCO E NEGRO
O Dafundo, como local de trabalho, continuava o máximo e o permanente optimismo irradiado por João Moisés era contagiante, capaz de ultrapassar todas as barreiras, que se deparam em qualquer ocupação laboral. Bem vistas as coisa apareciam muitas, que sempre iam sendo sanadas pessoalmente, com um certo jeito de negociação e o dever de cumprir bem o que prometera ao cliente.
No fundo, tratava-se da necessidade de atentar nos prazos, já que a mercadoria não saia de prateleiras, tinha de ser construída em várias etapas a serem ratificadas pelos clientes. Para além da fabricação havia o pressuposto de que cada obra tinha uma componente artística, que não podia ser ignorada.
Para isso, tinha sido criada a secção dos CONTACTOS, a funcionar também como a primeira linha crítica.
No caso dos livros, havia as primeiras provas a partir de granéis de composição tipográfica, pelo que existia uma sala cheia de linotypes de serviço, com os seus operadores, a funcionar por turnos.
Depois das provas revistas, outros especialistas formavam as páginas, para nova revisão.
Só então vinha a imposição, ou seja a formação dos cadernos em chumbo para a impressão tipográfica em papel, por máquinas próprias com o seu operador experimentado e especializado. 

Contava sempre com sempre com um ajudante, que estaria a fazer o seu estágio, para mais tarde também ele vir a ser oficial.
Para chegar á impressão, uma última revisão, era feita por revisores da própria empresa, para que tudo saísse certo.
Quando as tiragens atingiam números mais elevados, imprimiam-se as páginas em papel “couché”, o mesmo era fotografado e depois feita a montagem das películas.
Das mesmas faziam-se cópias em ozalide, formando o livro virtual para a aprovação do cliente, passando pelo filtro do respectivo elemento do CONTACTO.
As revistas, executadas nos mesmos moldes, por serem periódicos havia maior aceleração. Deslocava-se ali algum responsável pela edição, por qualquer falha da gráfica ou da própria editora, para maior eficácia e rapidez.
Atento aos perfis humanos, começou por atentar nas visitas do editor da “Branco e Negro”, o José Vilhena, o próprio titular da empresa, que indiciava um pouco da personalidade do seu criador.
Ainda por cima, com o Estado Novo em actividade, mal entrava no gabinete e sem conhecer ainda bem a pessoa, que o passara a atender, referia-se a qualquer estrutura administrativa, mesmo que fosse estatal e que englobasse o senhor António de Oliveira Salazar, como “aqueles tipos”, sempre de maneira sarcástica.
Devia ser um anarquista de primeira apanha!
- E se encontrasse ali, um informador da PIDE?
Nem pensar nisso era bom, a acontecer não seria inédito, também não lhe traria saúde, porque era assíduo “cliente” de Caxias, “refúgio” onde escrevia os seus livros mensais de bolso, para um público fiel, que os comprava via correio.
Deve ter-se dado uma empatia e na secção de CONTACTOS, o Vilhena era sempre bem recebido, homem de aspecto vigoroso, impecavelmente trajado, porém circunspecto.
Sabendo o que queria, tratava de assuntos importantes, como se parecesse uma criança grande, dizia o estritamente necessário, a que não seria alheio o seu permanente contencioso com o poder instituído.
Como encontrava simpatia, também sabia estar à altura e sempre correspondeu.
Invariavelmente deslocava-se ao Dafundo para tratar de assuntos relacionados com a feitura dos seus livros e passou a confiar a João Moisés, no seu jogo do gato e do gato, com a Censura até à última hora, do armazém onde eram entregues os livros, nada podia constar nem imaginar,
Chegava a indicação de pronta a obra e apenas nessa altura era comunicado ao chefe da expedição, onde devia ser feita a entrega.
A “Branco e Negro" fazia distribuição por algumas livrarias, e de imediato os exemplares eram apreendidos!
Os restantes estavam algures a ser enviados aos indefectíveis compradores, já com os mesmos pagos adiantadamente.
De seguida a autor e editor, ia uns dias para a prisão política de Caxias e era movida investigação:
- Onde estariam os muitos exemplares?
Na Bertrand & Irmãos, já se conhecia bem do assunto e os risinhos nunca se faziam esperar, porque chegava sempre a abordagem.
Normalmente a Censura, na sua usual estupidez, convocava o respectivo chefe de produção, que obviamente, não curava dum assunto a que podia passar sem dar importância. Tinha-se produzido o trabalho e lavava as mãos.
Um dia, depois de ser ouvido na comissão, este chamou João Moisés ao seu gabinete e deu-lhe a notícia, de que Censura estatal, depois do interrogatório inconclusivo, como sempre, planeava confrontá-lo, que se preparasse!
Juntamente com um sorriso ouviu logo:
- Nem sei de nada!...
- É isso afinal que tens para dizer – coitado de ti, nada sabes!...
Logicamente, não houve mais comentários, nem mais indagações.
À data José Vilhena, com o fim de desviar os seus trabalhos da Censura, que não passavam de sensualmente políticos, viraram para os de tema religião, mas: Dos três departamentos superiores, um tratava da religião!
De qualquer maneira o Vilhena era tido da secção, como um grande ponto, até pela sua finura. As instalações da editora, eram de requinte digno de nota.
Como gostava de boas mulheres, só tinha empregadas, novas e esculturais. O soalho da casa era alcatifado, com música em gravador espalhado na própria. Um primor de bom gosto em suma!

Os livros e postais da sua autoria, sempre de cariz sensual, tinham fama. Um dia um chefe de secção veio aos CONTACTOS e com certo jeito, insinuou a condição de João Moisés tratar muito com o autor, Dizendo ao que ia, se lhe pedisse, ele podia enviar uns livros para a malta.
Este duvidando, apresentou o pedido. E não é que o mesmo foi bem aceite?
- Passados dias, chegaram dois embrulhos, com a recomendação:
- Este é para si, o outro para os seus amigos!...

Daniel Costa

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