AVENIDA DA LIBERDADE
Nos ano de 1964 e parte do 1965, Lisboa de João Moisés, não passava muito do Bairro da Graça onde vivia, da Avenida da Liberdade, que subia diariamente, por ser o local de trabalho e da zona da Praça do Chile, onde em dois locais distintas, fazia os seus estudos.
Ao fim e ao cabo, parecia não ser existência muito auspiciosa, embora tudo corresse sobre rodas, porque ainda no primeiro ano e perto do local de trabalho, o Teatro D. Maria II sofreu um grande incêndio. Estava com representações de peças teatrais, da programação da grande actriz Amélia Rey Colaço, que passou a trabalhar no então Teatro Avenida. A reconstrução veio a durar até 1978, altura em que reabriu as suas portas.
Não obstante, a vida continuava, o espaço comercial da Rua da Portas de Santo Antão era frequentado, durante o período da tarde, por todo o tipo de pessoas, entre outros um vendedor ambulante de gravatas, cuja montra consistia numa tábua dependurada ao pescoço com as ditas à vista, um senhor forte, de certa idade a quem muitos encomendavam um tipo de bisnaga de creme de barbear, um indivíduo que fora jogador de futebol do Barreirense, durante anos a militar na primeira divisão, um cromo oriundo de famílias abastadas, que o exército expulsara com o posto de capitão, uma verdadeira chaminé fumante, que chegara ao limiar da pelintrice. Para fazer durar alguns trocos oferecidos por amigos, em tempos de mais penúria usava cigarros Kentuky, a que com um certo toque de ironia, apelidava de Phillip Morris. Tabaco de importação e vedado a pobres, pelo preço proibitivo. Aquele custava apenas oitenta centavos por embalagem.
Davam ainda muito nas vistas, um empregado numa firma de distribuição de filmes, de passagem e permanência “obrigatória” à saída do trabalho, um arrumador de sala do cinema Éden, que passava a tomar ginja, antes de entrar no trabalho e era sempre atendido pelo encarregado, a quem deixava taxativamente cinquenta centavos de gorjeta, o que naquele tempo se poderia considerar elevada, para uma despesa de um escudo.
Também muitos empregados de estabelecimentos vizinhos faziam parte da frequência.
Durante um certo tempo, apareceu à noite um casalinho a consumir o licor Natal, a bebida da casa, de fabrico próprio. Davam bom ambiente, pois até metiam conversa o que sempre agradava, tratando-se de uma hora em que a clientela se ia desvanecendo.
Um dia porém, de certeza tinham gasto as últimas economias e fizeram a rábula do esquecimento da carteira. Estava presente, a fazer o lugar de chefia, o filho do dono da casa que, marcava sempre presença, para o fecho da mesma e de boa vontade assentiu que a conta fosse paga no dia seguinte.
Para aqueles clientes, não chegou a haver o dia depois, nem mais nenhum, deixaram de ser vistos definitivamente.
Os turistas eram em pouca quantidade, mas iam adquirindo ali os agradáveis licores, que a casa fabricava, em local próprio: Por vezes pediam para serem entregues no Hotel da sua estadia, normalmente um dos próximos.
Um dia coube a João Moisés fazer uma dessas entregas. A hospedagem era no grande Hotel Avenida, quase imediato, na grande artéria do lado oposto, no início da Praça dos Restauradores, Aí ficou a saber mais sobre o mesmo, tinha constituído um verdadeiro ninho de espiões da Segunda Guerra Mundial.
A sua abertura já datava de 1898, a privilegiada localização e ocupação prestava-se à recolha de todo o tipo de informações que, durante alguns anos interessavam os contendores dos dois blocos, que mantiveram a Europa a ferro e fogo, num conflito armado, sem paralelo ou antecedentes de tão grande belicismo.
Quem, como era o caso, estivesse atento á diferenciação que a grande sociedade humana produzia, a partir daí podia idealizar estudos dedutivos.
Aquela visita era o máximo!...
Realmente João Moisés, começava a ver mais do que, justificada a sua grande vontade de viver numa cidade de grandeza europeia, como Lisboa e lembrava-se muito do dito que antes ouvira:
- “Terras pequenas não fazem homens grandes”!...
Daniel Costa
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